Wilson Moreira: biografia
Wilson Moreira nasceu em 12 de dezembro de 1936 e foi criado no bairro de Realengo. Herdou de sua família a cultura musical. Seus pais e avós adoravam se divertir ao som de ritmos africanos como o jongo, caxambú e o calango. Sua mãe, como o seu pai, era grande defensora das tradições musicais africanas.
Aos 9 anos, perdeu o pai e teve de trabalhar para ajudar em casa, mesmo assim persistiu na escola. Foi então vendedor de amendoim, cocada, entregador de marmita, engraxate, guia de cego e mais tarde seria guarda de presídio, profissão que o acompanharia por cerca de 35 anos.
O samba era a sua grande paixão. Com 12 anos já observava atentamente o batuque das escolas de samba. Passou a compor e logo seria diretor de alas e um dos primeiros integrantes da escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel onde integrava a ala dos compositores e a bateria (começou oficialmente na Mocidade aos 15 anos). Tímido, foi preciso que o amigo sambista Paulo Brasão o encorajasse a mostrar suas músicas e a se apresentar publicamente. Seu primeiro samba-enredo, “Bahia”, parceria com Ivan Pereira, foi um sucesso. Outro famoso samba-enredo seu, “As Minas Gerais”, foi muito elogiado pelo mestre Ary Barroso.
Aos 29 anos gravou o seu primeiro compacto, passando a ser gravado por grandes intérpretes da MPB. Em 68 transferiu-se para a Portela onde encontraria grandes parceiros e amigos como Paulinho da Viola, Candeia, Natal e muitos outros, fazendo da escola sua bandeira.
Integrou também conjuntos como Cinco Só, Turma do Ganzá e Partido em Cinco. Grande partideiro, entre seus maiores sucessos estão “Mel e Mamão com Açúcar” e “Senhora Liberdade”, ambos de parceria com o sambista Nei Lopes. A parceria foi uma das mais bem sucedidas da história do samba, rendendo dois discos antológicos. O primeiro, “A Arte Negra de Wilson Moreira e Nei Lopes”, lançado em 80, contém clássicos como “Goiabada Cascão” e “Gostoso Veneno”. O segundo, “O Partido (Muito) Alto de Wilson Moreira e Nei Lopes”, de 1985, traz “Fidelidade Partidária” e “Eu Já Pedi”, entre muitos outros.
Em 1986 gravou o primeiro álbum individual, “Peso na Balança”. Wilson fez dois discos especialmente para o mercado japonês pela gravadora japonesa Bomba Records: “Peso na Balança” e “Okolofé”. Estes discos contavam com grandes instrumentistas brasileiros.
Teve suas músicas gravadas por uma infinidade de estrelas da música brasileira: Clara Nunes, Elizete Cardoso, Candeia, Alcione, Beth Carvalho, Jair Rodrigues, Emílio Santiago, Martinho da Vila, D. Ivone Lara, Jovelina Pérola Negra, Zélia Duncan, Djavan, Sandra de Sá, Dudu Nobre, Leny Andrade, Elza Soares, Moacir Luz, Jorge Aragão, Dobrando a Esquina e Pau de Braúna e muitos outros.
Em 97 Wilson Moreira sofreu um derrame que o deixou parcialmente imobilizado. Diversos shows foram realizados pelos colegas sambistas, com objetivo de arrecadar fundos para o tratamento do cantor e compositor, que mostrou boa recuperação.
A entrevista com Wilson Moreira foi realizada na casa do compositor em 05/12/2005. Um belo dia de sol! Contei com a ajuda da cantora e jornalista Thais Villela.
Numa agradável tarde de segunda-feira, fomos recebidos por Angela Nenzy, mulher de Wilson Moreira, em sua casa em uma simpática vila na Praça da Bandeira, no Rio de Janeiro. O casal está junto há mais de quinze anos. Se conheceram porque ela já era fã do Moreira e, como pesquisadora de música, trabalhava no Museu da Imagem e do Som e o Moreira ia lá pesquisar. Logo a paixão ficou evidente.
Angela promove agora uma grande homenagem para o marido bamba. Uma comemoração do aniversário e lançamento oficial do site do artista com informações sobre sua trajetória na música brasileira, discografia e álbum de fotos.
O show Wilson Moreira em Versos e Quadras reúne no Centro Cultural José Bonifácio, dia 17 de dezembro, às 14 horas, grandes compositores e amigos do sambista. Wilson Moreira em Versos e Quadras será também o terceiro CD individual do sambista.
Angela conta que Wilson jamais parou de compor. Pouco após o derrame, ainda no hospital, fazia versos na cadeira de rodas.
Wilson Moreira: entrevista
Samba Carioca: Quais as suas principais influências na música?
Wilson Moreira: Quando eu era mais novo, era muito amigo de um cara que assinava embaixo os meus sambas. O cara que mais ganhou samba-enredo na Vila Isabel, Paulo Brazão. Um grande compositor e amigo. Morava perto de minha casa. Além dele, o Casquinha. O Candeia eu já o conhecia quando era bom, admirava muito ele. O Monarco, eu saía dos ensaios da Mocidade para ouvi-lo cantar uns sambas bonitos que tinha na Portela na época, aquele samba: “Se for falar da Portela hoje não vou terminar”. O Monarco sempre foi um cara que eu admirei como gente, como sambista e nós somos amigos.
Depois que eu fui pra Portela em 68, um camarada que eu admirava muito era o Sr. Natal. Nelson Cavaquinho foi um cara que me influenciou muito, mais tarde fui ser parceiro dele, como de Carlos Cachaça. Tenho músicas inéditas desta turma até hoje guardadas. Para trabalhos futuros, né?
O Silas de Oliveira era um que eu gostava tanto de andar junto, rapaz… O pessoal devia falar assim “esse cara deve beber pra caramba” porque o Silas bebia bem. Mas nunca fui de beber. Eu dizia assim “não leva a mal não, mas pra te acompanhar, vou tomar uma batida de maçã”.
O cara tinha uns sambas… Grandes sucessos como “Aquarela Brasileira”, sambas de terreiro da Império, além de parcerias com Mano Velho e Dona Ivone Lara.
S.C.: E os sambistas que você gosta de escutar atualmente?
W. M.: O Délcio Carvalho, um cara que tem uma voz! Sou muito amigo dele, foi quem me apresentou o Nei Lopes, e não chegamos a gravar juntos. E ele reclama disso: “Pô, quando é que nós vamos fazer uma parceria? Te apresentei o cara e você sumiu junto com ele…”. (risos)
Olha, um garoto que eu gosto muito é o Zeca Pagodinho. Outro dia me ligou dizendo que estava com saudade. “Wilson Moreira, quando é que a gente vai se ver?”. Eu disse pra ele: “Você sabe que eu tenho perna curta, né?. Quem tem perna curta anda devagar mesmo.” Ele falou: “Pera aí, vou ver se eu dou uma ligada pro Paulão, pra ele marcar comigo dele te trazer aqui, ou eu ir aí na tua casa.” Isso vai acontecer ainda. E muita gente…, essa garotada nova que tá aí.
Em São Paulo tem um punhado de gente que eu admiro muito, tem o Quinteto em Branco e Preto. Olha, é uma garotada que canta samba muito bem, eles têm uma vontade de fazer as coisas direito… A cantora Graça Braga tem um vozeirão e canta muito bem!
Gosto muito das cantoras: Luiza Dionízio, Dorina, Zezé Mota, …
S. C.: Entre suas composições, qual a favorita?
W. M.: Olha, são tantas… É tipo aquela coisa de pai e filho. Tem gente que diz que cada música que faz é um filho dele. Eu tenho umas músicas que eu gosto muito como uma das primeiras músicas gravadas profissionalmente por mim, chamada “Meu Apelo”, além da “Mamão com Açúcar”, que foi um barato. Abriu tudo! Além das que eu fiz com o Nei que são tantas…
S. C.: Quais as melhores composições de toda a história?
W. M.: Vou puxar uma sardinha pra minha brasa: “Me alucina”, que é minha e do Candeia. Essa música eu gosto muito! Quando eu fiz ela com o Candeia, ele me deu a primeira parte e falou: “Termina aí pra mim”. Quando eu acabei, ele disse: “Porra, tu valorizou tanto!”. Aí ele gravou num disco e depois vieram as regravações. Eu canto por aí mas não gravei não.
Outra que eu gosto muito é “O show tem que continuar”, do Luiz Carlos Da Vila com Sombrinha e Arlindo Cruz. O Fundo de Quintal gravou, isso é lindo, coisa de louco.
E coisas antigas como “Escurinho” e “Sem compromisso”, de Geraldo Pereira. A segunda é uma obra-prima, taí até hoje, parece que os caras estão vivos ali na esquina cantando. E cada vez que alguém regrava, dá uma nova vida, depois que o Chico Buarque gravou então…
Thais Vilela: Como é saber que você está eternizado através da expressão da cultura popular?
Wilson Moreira: Isso é um negócio que eu não sei explicar. Essa turma da antiga – Noel, Wilson Batista, Geraldo Pereira – fez um negócio que está aí até hoje! As crianças nascem e crescem cantando as suas canções.
E teve até uma garota que veio aqui em casa, a Mariana Bernardes, filha da Inês. A conheci pequena e, hoje em dia, está tocando e cantando. Eu, como autor, fico pensando: “Será que vou fazer algo que vai ficar?”
Você vê aí o Chico Buarque; fez coisas lindas, grande sujeito, um cara que tem uma cabeça boa pra compor…
S.C.: Qual bar você considera inesquecível?
W.M.: O Zicartola. Fui nos anos 60. Naquela época eu era um dos compositores da Mocidade. Um dia o Cartola convidou os compositores da Mocidade para fazer uma visitinha, fui junto. Lá cantei e fui mais três vezes, gostei muito. Foi uma pena ter acabado!
Quando eu tomava os meus biricoticos, parava muito ali no Largo da Carioca. Ali a gente encontrava o João Nogueira, Nei Lopes, Zé Luiz do Império. Tinha um cara chamado “Garça” que tocava um violão que era uma assumidade… Pena que já foi embora. Ali a gente parava pra mostrar um samba novo, aí de vez em quando, passava o Zé Kéti:.”Comé que é, rapaziada?” E ficava ali batendo papo. Passava também o Elton Medeiros. Esses caras todos iam nesses lugares, como o bar na área do Edifício Avenida Central. Desculpe o termo, mas sabe como eles chamavam esse bar? Bunda de Fora! O pessoal tinha prazer em ir lá. Não era chegar e se acomodar, era um encontro!
Thaís Villela: O que vê de diferente nesta boemia de hoje com relação à daquela época?
W.M.: Hoje não tem mais! Antes era mais a vontade… O Nelson Cavaquinho podia dormir na cadeira da Praça Onze, no bebum! Se via o Pixinguinha por ali…
Hoje em dia dá meia-noite e está tudo fechado. Só a Lapa que tem aquelas rodas de samba que ficam naquela efervescência toda.
Mas aqueles cantos mesmo onde os boêmios paravam? Não tem mais!
Sabe que conheci o Madame Satã? Trabalhei 35 anos como agente penitenciário, mas havia respeito mútuo. Encontrei lá Jorge Castro, parceiro de muita gente.Tinha também um cara que era empresário da Angela Maria, Chocolate que gravou com Elizeth…
S.C.: É verdade que o Candeia era um policial muito truculento?
W.M.: Quando o conheci, ele era detetive, a gente não tinha intimidade. Fui estar mais com ele quando já estava na cadeira de rodas. Frequentava uns ensaios na Portelinha e lá no Imperial, ainda não existia o Portelão.
Ele era um negro alto… Tinha uma ala chamada “Aristocracia”, criada por ele que já era compositor. Mas não acompanhei tudo o que fez.
Era um grande cara! Eu saía de serviço quando fui pra Portela em 68, tinha um camarada que tocava violão com ele, o Jorge da Conceição. Ele falou assim: “Jorge, soube que o Wilson Moreira está aqui com a gente.” Ele respondeu: “Traz ele aqui em casa.” Jorge me procurou dizendo: “Wilson, o Candeia falou pra eu te levar na casa dele, como é que eu faço?”. Eu respondi: “Olha, eu estou de serviço amanhã. Quando eu sair, venho aqui em casa, tomo um café e vou direto pra casa dele. Você vai estar lá?”. Ele respondeu: “Vou”. E disse: “Então me dá o endereço!”. Candeia morava na rua Mapendi, na Taquara. Aí fui! Cheguei lá já estavam Jorge, Osmar do Cavaquinho… Fiquei batendo um papo e ele falou. “Vem cá, você está saindo da Mocidade, o que que houve?”. Eu falei: “Houve um aborrecimento comigo lá e o seu Natal já tinha me convidado para entrar na Portela. Vim assistir a uma reunião lá e a diretoria me recebeu de pé. Aí o Natal falou: ‘Esse é o garoto que eu tô convidando pra vir pra cá.’ Aí falei: ‘Ô Seu Natal, eu já estou!’ Ele falou: ‘Então vem aqui assistir a reunião dos compositores.’ Era lá no fundo da Portelinha. E estou na Portela até hoje!
S.C.: Qual é o seu local preferido para compor?
W.M.: Hoje em dia é minha casa, mas quando eu era mais novo e dirigia, eu viajava. Ia lá pro Paraíba do Sul, pra Realengo, Paciência. Acho que um lugar arejado e à sombra é ideal para compor. Aquele disco Okolofé, tem uma música “Canção de Carreiro”:
“O som dos das rodas daquela carroça
Faz lembrar os tempos que eu vivi na roça
Esse cheiro de fumaça,…”
Essa música é bem rural, né?
S.C.: O que acha do samba em São Paulo?
W.M.: Quanto ao samba de escola de samba, eles fazem muita coisa igual ao Rio. Mas os sambistas de uma maneira geral, vem muito aqui. Eles gostam muito do que fazemos. Convidam a gente para cantar lá, contratam… Em São Paulo faço muita coisa – aqueles SESCs, o da Pompéia, o da Vila Mariana…
Me homenagearam como cidadão paulistano! Volta e meia dizem: “Pô, Wilson, você não tem que ficar no Rio, tem que ficar aqui!” Eu digo:”Pô, rapaz, não posso!”
S.C.: O que considera como música ruim?
W.M.: Esses funks que falam palavrões. Botam alto aqui perto, é uma coisa de louco!
S.C.: Qual o seu prato predileto?
W.M.: Meu prato predileto era uma boa feijoada, um mocotó… Hoje em dia não posso comer nada disto. Um gordurame danado, né? (risos). Sou filho de mineiro, cozinha mineira é excelente!
S.C.: Qual o seu santo de devoção?
W.M.: Olha, eu me apego com todos. Mas quem segura minha barra mesmo é Xangô.
S.C.: Tem algum hobby, como pescaria, por exemplo?
W.M.: Não. Fui a uma pescaria uma vez, uma decepção, perdi todos os peixes! Mandaram eu apanhar o siri com a mão, ele agarrou no meu dedo, fiz um escândalo! Já faz muitos anos…
Nos anos 60, na Ilha do Governador, tinha uma praia chamada Jeiquiá. Eu pouco fui à praia, mas nessa época ficava no barzinho tomando caipirinha. Quando eu dirigia, ia muito pra Grumari. Joguei muito futebol. Fui beque central.
S.C.: Qual o pior problema do Rio de Janeiro?
W.M.: A violência. Essa intranquilidade é terrível!
S.C.: O que está lendo?
W.M.: Atualmente não tenho lido muito. Sou amigo do Dráuzio Varela, ele me deu o livro muito bom que ainda não li todo…
S.C.: O que não pode faltar em sua casa?
W.M.: Dos sucos, gosto muito do abacaxi com hortelã. Eu não dispenso.
Quando tomava meu bericotico, eu tomava uma vodca com laranja…
S.C.: Um canto que gosta muito.
W.M.: Tem cada lugar por aqui que ficamos de queixo caído. Eu morei em Campo Grande, lá tem um lugar chamado Rio da Prata. Parece roça, olha…
Aquela área, Ilha de Guaratiba, é fora de série!
S.C.: Que conselho daria aos sambistas que estão começando?
W.M.: Sabe qual é o lance? Eles tem que vir com uma base.
Você vê esse pessoal que fica se espelhando em pessoas erradas. Você vê esse pagode aí, já caiu.
Essa gurizada tem que fazer uma coisa que vem de dentro. Não se espelhar nesse negócio de pagode que isso não dá certo.
Antes de ir embora tive o prazer de conferir o forte aperto de mão que lhe rendeu o apelido “Alicate”.
Xangô da Mangueira justificou o batismo: “Parece uma morsa de ferro”.
Reportagem: Marco Pozzana
Colaboração: Angela Nenzy, Carolina Canegal e Thais Villela
Para conferir mais sobre o mestre, veja a entrevista com o bamba gravada em 2013