* A entrevista abaixo foi feita em 24/10/2005.
Quando pensei em quem seria o sambista ideal para iniciar o projeto Perfil do Sambista, logo me veio à mente o nome de Moacyr Luz, para melhor traduzir o espírito atual do Samba Carioca. Basta acompanhar uma roda por ele pilotada no Clube Renascença, em Vila Isabel, toda a segunda-feira, e entender a força que ela tem.
Moacyr é um dos mais atuantes sambistas e sobretudo um apaixonado pelo Rio de Janeiro e pela cultura carioca. Amante dos subúrbios, das esquinas e bares escondidos pela cidade. Um sujeito de grande simpatia e simplicidade.
Moacyr Luz
Não é à-toa que Moacyr Luz é considerado um dos grandes compositores da atualidade. Fez centenas de canções, muitas gravadas por ícones da nossa música como Maria Bethânia, Nana Caymmi, Gilberto Gil, Leila Pinheiro, Fafá de Belém, Fátima Guedes, Leny Andrade, Rosa Passos e muitos outros.
Moacyr Luz: biografia
Moacyr Luz Silva nasceu no Rio de Janeiro em 5 de abril de 1958. Passou a infância ouvindo o clarinete tocado pelo avô, músico da banda do corpo de bombeiros. Perdeu o pai aos 15 anos e costumava tocar violão para matar a saudade. Ainda jovem, se encantou com o samba, ao ouvir os primeiros acordes bem tocados de um violão. Percebeu que esse seria seu ofício. O violonista e guitarrista Hélio Delmiro, de quem sofreu grande influência, foi seu primeiro parceiro de cordas e sua principal influência no início de sua formação musical.
Moacyr desejava apenas ser um bom instrumentista, mas aos poucos foi se percebendo também como compositor e cantor. Com Aldir Blanc, parceiro de longa data, ele divide a autoria de centenas de composições. Tudo começou em 84, com “A Tua Sombra”, faixa do disco de estréia, e seguiu com a música que virou hit de novela “Mico Preto” e muitas outras composições que já estão imortalizadas.
– Moro no prédio do Aldir há 20 anos. Somos daqueles amigos que vão na casa do outro quando acaba o açúcar. Nossas músicas falam do cotidiano, são diferentes das que ele compôs com outros parceiros. Conseguimos criar uma identidade – diz Moacyr.
Em 1988 lançou “Moacyr Luz”, seu disco de estréia que contava com a participação do virtuoso violonista Raphael Rabelo, além do sempre parceiro Blanc. Em 95 lançou “Vitória da ilusão”, no qual participaram as Pastoras da Portela, um quarteto de cordas e um grupo de percussão africana – Moacyr celebrava, assim, 10 anos de parceria com Blanc. “Mandingueiro” foi seu terceiro álbum. Lançado em 98, o disco, que trazia os mestres Nei Lopes e Paulo César Pinheiro, conquistou grandes elogios da crítica. Depois veio “Na Galeria”, em 2001, quando Moacyr interpreta bambas como Cartola, Noel Rosa e Paulinho da Viola, colhendo, mais uma vez, elogios da imprensa. Em seu quinto disco, “Samba da Cidade”, apresenta músicas gravadas com Wilson Moreira, Martinho da Vila, Paulo Cesar Pinheiro, Wilson das Neves, Nei Lopes e Luiz Carlos da Vila.
Em 2005, veio “A Sedução Carioca do Poeta Brasileiro”, no qual transforma em música obras de poetas como Ferreira Gullar, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes e Mário de Andrade, acompanhado do excelente sexteto de choro Água de Moringa. Segundo Moacyr, foram 10 anos construindo este CD de samba e choro, que passeia pelo lado lírico da Cidade Maravilhosa. No último disco solo, “Violão e Voz”, ele relê, no formato acústico, algumas de suas canções, somadas a clássicos imortais da música brasileira.
Entre tantas pérolas, “Saudades da Guanabara”, parceria com Paulo César Pinheiro, é certamente uma de suas obras mais representativas, uma autêntica declaração de amor à cidade. Hoje Moacyr atua também como produtor e no currículo já traz os Cds de estréia de Casquinha e Guilherme de Brito, além do “Samba do Trabalhador – Renascença Samba Clube”, fruto de sua consagrada roda “Samba do Trabalhador”, uma ironia ao horário e dia ingratos em que é realizada (das 14 às 20 horas nas segunda-feiras).
Luz assina a última faixa do disco, “Cabô”, de certo uma das melhores da coletânea que revelou músicos de alta qualidade como Abel Luiz (compositor e cavaquinista) e Wladimir Silva (violonista).
Como se não bastasse, Moacyr acaba de lançar o livro “Manual de sobrevivência nos butiquins mais vagabundos”, pela editora SENAC RIO, com ilustrações do grande cartunista Jaguar, outro P.H.D. no assunto. As 25 deliciosas histórias são ambientadas no Rio de Janeiro e vêm acompanhadas de entrevistas com respeitáveis boêmios, abordando aspectos diferentes da cultura de botequim: a comida, o banheiro, a cerveja, o pendura, a mulher…
Moacyr Luz: entrevista
Confira aqui a entrevista com Moacyr Luz, feita no Clube Renascença em 24/10/2005, um dia nublado que prometia chuva – por isso a roda foi realizada na quadra do clube (o Samba do Trabalhador acontece mesmo se São Pedro não colabora).
Samba Carioca: Quais as suas principais influências na música?
Moacyr Luz: Ary Barroso é disparado o que tem mais influência sobre minhas músicas, pois estas são cravejadas de citações, mas também Nelson Cavaquinho, Cartola, Elton Medeiros, Noel entre tantos bambas.
S.C.: E no cenário contemporâneo?
M.L.: O grande mistério do samba é que não existe velho, ele está sempre se renovando.
Tirando os “cascudos” (referência a Zeca Pagodinho e Paulinho da Viola), tenho grande admiração ao Luiz Carlos da Vila, Wanderley Monteiro, entre outros.
S. C.: Entre suas composições, qual a favorita?
M. L.: Posso dizer que dentre tantas, “Saudades da Guanabara” é uma das mais representativas. Também “Medalha de São Jorge” e “Coração do Agreste” (gravada por Fafá de Belém).
S. C.: Quais as melhores composições de toda a história?
M. L.:”Aquarela do Brasil” é a obra-prima de Ary Barroso e se confunde com o Hino Nacional. “Carinhoso”, de Pixinguinha, “O Bêbado e o Equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc.
S.C.: Qual o seu botequim favorito?
M.L.: O caseiro. Que não seja muito sujo para se ter medo, nem muito limpo para parecer uma CTI. Gosto muito do “Paladino” e do “Bar Vanhargem”.
S.C.: E o petisco?
M.L.: Coisas para beliscar com a cachaça. Adoro jiló e camarão fresco.
S.C.: Qual o seu local favorito para compor?
M.L.: Sou um compositor diferente, gosto de compor sóbrio, sempre pela manhã, com meu violão de compor. Vejo as composições como algo espiritual, já estão na cabeça. A inspiração é fundamental para detonar esse processo.
S.C.: Bebida alcoólica?
M.L.: Cerveja e cachaça branca
S.C.: Santo de devoção?
M.L.: Meu São Jorge guerreiro.
S.C.: Tem Hobby? Qual?
M.L.: (risos) Gosto de cozinhar.
S.C.: O que considera lixo musical?
M.L.: Não gosto da arte comercial. Respeito a sinceridade, espiritualidade e boa intenção.
Na roda não gosto do sujeito que chega cantando de qualquer jeito, um pandeirista que usa as platinelas muito soltas…
S.C.: Qual o seu canto preferido no Rio de Janeiro?
M.L.: O Centro da Cidade, muitas vezes tiro um dia para me embrenhar em algum canto por lá. Vou ao Morro da Conceição, como uma sardinha na rua Miguel Couto…
S.C.: Qual o pior problema do Rio de Janeiro?
M.L.: A violência. Pessoas que se julgam capazes de resolver os problemas e vão varrendo a sujeira para baixo do tapete.
S.C.: O que está lendo?
M.L.: Acabei de ler “Memória das minhas putas tristes”, de Gabriel Garcia Marques, e estou lendo o “Café Ponto Chique”, de Chico Freitas.
S.C.: O que tem escutado em casa?
M.L.: Nestes últimos dias quase nada, afinal mal tenho parado em casa, andei muito ocupado.
S.C.: O que não pode faltar em sua casa?
M.L.: Minha geladeira particular, sempre com cerveja e algo escondido, como siri e outros quitutes.
S.C.: Existem muitos admiradores do seu jiló. A receita é segredo?
M.L.: Não, até dei a receita para a Danuzia Bárbara. Em geral gosto dele fritinho, adicionando alguns igredientes como alho, cheiro-verde… (Moacyr me deu uma prova do jiló que fica na mesa dos sambistas, é realmente fantástico, e sou também um amante do fruto).
S.C.: Como têm sido as últimas rodas aqui no Renascença?
M.L.: Nas quatro últimas edições, tivemos em torno de 2.300 pessoas e, na semana passada, foram mais de mil pagantes.
S.C.: O que acha do samba em São Paulo?
M.L.: Tem um troço bacana em São Paulo, os paulistas sempre foram muito receptivos aos sambistas cariocas. Levavam o Nelson Cavaquinho pra Sampa na época das “vacas magras”.
S.C.: Que conselho daria aos sambistas que estão começando?
M.L.: Ouvir, ouvir muito e não acreditar que tudo é inspiração. Se o cara não tiver talento, não adianta.
Reportagem: Marco Pozzana
Colaboração: Carolina Canegal